quarta-feira, 6 de abril de 2011

Viola que cabe neste latifúndio


Tocadores e MST se movimentam para cobrar espaço na mídia para boa música e defender a identidade da cultura violeira

Qual a diferença artística entre o violeiro Pereira da Viola e a dupla sertaneja Victor e Leo? Além da evidente escolha de estilo musical de um e outro, é o quinhão de espaço na mídia de cada um que os torna tão distantes. Certamente os violeiros querem um pedaço desse latifúndio musical, ambição semelhante à do lavrador sem terra: ter espaço para produzir e garantir seu sustento. Essa convergência entre trabalhadores rurais e violeiros – o nome é genérico para aqueles que vivem o universo da viola, seja caipira, pantaneira¬ ou nordestina – é mais antiga do que se imagina e está rendendo uma roça bem produtiva.

Pereira da Viola é um dos fundadores e ex-presidente da Associação Nacional dos Violeiros do Brasil (ANVB), criada em 2004. A entidade começou a ser gestada quando Pereira e Felinto Procópio dos Santos, o Mineirinho, coordenador cultural do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), tocavam viola debaixo de uma figueira centenária, em Ribeirão Preto. Surgiu daí o Encontro Nacional de Violeiros, que reuniu 60 tocadores e foi visto por mais de 10 mil pessoas. O evento virou anual e deu margem à fundação da ANVB.

Para firmar a identidade da viola e encontrar¬ meios alternativos de financiamento dos violeiros, a associação avançou significativamente ao realizar em 2008 o I Seminário Nacional de Viola Caipira, em Belo Horizonte. “Foi um evento que conseguiu formalizar uma participação política dos violeiros do Brasil”, resume o atual presidente da entidade, Valmir Ribeiro de Carvalho, o Bilora.

Esse viés político tem sido constante no movimento. “Realizamos o seminário com 80% de verba patrocinada pela Petrobras, que virou nossa parceira de fato. E isso permitiu que a companhia estivesse também no Caipirapuru, ocorrido em dezembro passado”, conta Pereira. Organizado pelo violeiro e médico cardiologista Julio Santin na cidade de Irapuru (SP), a 700 quilômetros da capital, o Caipirapuru tem sido uma das “trincheiras” dos violeiros, na definição de Mineirinho.

A ANVB reúne instrumentistas de todo o país, entre eles nomes que despontam no cenário musical da viola: os caipiras Julio Santin, Levi Ramiro e Zeca Collares, a dupla Zé Mulato e Cassiano, o herdeiro da viola pantaneira de Helena Meirelles, Milton Araújo, e a violeira paraibana Socorro Lira. Portanto, não se trata de um coletivo de artistas, mas de um movimento organizado com identidade e propósito.

“Não foram dois ou três que se juntaram para fundar a entidade, e sim mais de 100 violeiros, entre os quais nomes de peso como o de Inezita Barroso”, lembra Joaci Ornelas, organizador do seminário, evocando o maior ícone de resistência da música caipira, apresentadora do programa Viola Minha Viola, há 30 anos no ar na TV Cultura de São Paulo. A ANVB prepara para 2012 um congresso nacional de violeiros, que deverá, enfim, revelar a grande força do movimento. Para o público e para a mídia.

Mercado

Por atuar a partir de um forte componente cultural, o da identidade com a tonalidade musical da viola, instrumento trazido ao país pelos jesuítas durante a colonização, os violeiros têm uma visão diferente do chamado mercado fonográfico e musical. “Existe hoje uma música para o corpo e uma para a alma. Eu vejo para o corpo esse movimento de música de massa. Você agita, transpira, chega em casa, toma banho, e ela vai embora pelo ralo. No dia seguinte não sobra nada. A música para a alma vai além do divertir, tem a função da transformação, de fazer pensar, de fazer nos assumirmos enquanto povo e nação”, define Zeca Collares.

Não se trata, portanto, de concorrer num mercado em que a hegemonia é do chamado “sertanejo universitário”, mais dançante e com temática romântica. Mas de oferecer algo mais ligado às origens da música brasileira.

Por ter o caráter de resistência cultural – embora boa parte dos violeiros hoje tenha formação musical estruturada, quando até algumas décadas atrás se pensava somente no violeiro autodidata e de origem humilde –, o movimento se firma a partir de formas alternativas de financiamento. Entre elas, as leis de incentivo à cultura para a promoção dos encontros e a gravação dos discos e a estrutura de palcos do Sesc, por exemplo, para a difusão dos artistas.

Nenhum comentário: