quarta-feira, 11 de maio de 2011

Camponeses do Araguaia

Por Paulo Fonteles Filho.

Uma dívida histórica o Brasil têm para com os camponeses dos sertões do Araguaia. Uma dívida reconhecida, cantada em verso e prosa, anunciada pelas mais altas autoridades do país.

Há dois anos uma parafernália palaciana das gentes de Brasília e de Belém pousou na pequena São Domingos do Araguaia e numa manhã clara, densa, houve pedidos de perdão oficial, discursos, lágrimas, bandeiras vermelhas como nunca tinha se visto por aqueles rincões.

Campônios de São Geraldo à Itaipavas, de Boa Vista à Gameleira, da Piçarra à Xambioá, do Tabocão ao Brejo Grande, da Palestina à Santa Izabel, da Santa Cruz à Vila Sucupira e até os que ficam mais distantes, na Serra dos Martírios/Andorinhas foram a aquela antiga currutela onde passavam as tropas de castanheiros que poucos se lembram e que nos anos setenta se viu ocupada por tropas militares.

Todos estavam comovidos e um contentamento que faz furor no povo relampejava pelos olhos agrestes.

Uma festa popular se anunciou na praça da cidade.

Na praça, como nas pequenas cidades do Brasil profundo, fica a igreja matriz e num vento que sopra cintilando romarias reconheceu-se a carne violada do mais brasileiro dos brasileiros.

O ministro por trás dos bigodes não conseguia esconder a emoção. A governadora sob o sol quente suava em bicas e o prefeito era todo sorrisos. Deputados davam tapinhas nas costas e tal.

No centro de tudo estavam Adalgisa com o Frederico, e todos os filhos que por longo tempo ficaram aprisionados na Bacaba. Lá estava o “Beca”, a dona Neuza, viúva de Amaro Lins; os filhos de Maria da Metade, o pessoal da guerra dos Perdidos, a Oneide do “Gringo”, seu Adão e dezenas de lavradores atingidos pelo terrorismo dos estreludos generais que tomaram o país de assalto e sufocaram, por vinte e um anos, as liberdades públicas e a democracia.

Ali, num ato festivo, na vitória da memória sobre o esquecimento, anunciou-se a condição de anistiados políticos e, por conseguinte, a importante reparação econômica para dezenas de camponeses pobres que poderiam, apartir daquele momento, viver uma vida mais digna, sem a miséria geral que insiste fazer morada na vida de milhões de brasileiros.

Acontece que satanás sempre vem a galope.

Os camponeses, quando falam das injustiças da qual foram vítimas, no passado e no presente, dizem que tudo isso é obra do capeta.

Dias depois, como quem enviado por belzebú, a mais infame caricatura de nosso passado repressor, o tristemente famoso Deputado Jair Bolsonaro, toma a tribuna da Câmara dos Deputados e faz um contundente discurso contra o que ele chama de “marginais do Araguaia”.

Ato contínuo, um advogado a soldo das viúvas da cadeira-do-dragão, dá entrada em uma ação civil pública na vigésima - sétima Vara Federal do Rio de Janeiro e o Juíz substituto, José Carlos Zebulum, decide, apenas com recortes de jornais, suspender a reparação econômica dos agora alcunhados de “marginais” pelos Bolsonaros.

Alcunha confirmada por quem jura, de pés juntos e como ofício da profissão, defender a justiça e realizá-la, o próprio Juiz federal, José Carlos Zebulum.

E o diabo dança de coturnos, espalhando a poeira, como dizia meu pai.

Dois anos já se passaram e cinco daqueles que estavam na festa democrática de São Domingos já foram a óbito. Morreram de tristeza.

O último, na Palestina do Pará, em novembro de 2010, num pequeno e mal-equipado hospital público no interior do Pará. Muitos esperam a morte no fundo das redes, como é o caso do já citado Adão, de São Raimundo.


Concordo com o Jurista César Brito, ex-presidente da Seção Federal da Ordem dos Advogados do Brasil, que o sentido da liminar que suspendeu à reparação dos camponeses está no fato de que os conservadores querem inviabilizar as conquistas que a luta pelo direito à memória e a verdade tem ensejado na vida nacional.

A Comissão da Anistia, com suas caravanas, é expressão deste processo de elevação de nossa vida democrática e a Comissão Nacional da Verdade pode coroar, com êxito, o contencioso de que a história seja revelada para que os lobos não rondem os telhados, com seus punhais, de nossa jovem democracia.

Não pensemos que tais posições, anacrônicas, estão mortas.

Um conjunto de fatores nos ensina que o aprofundamento da vida democrática terá um longo e árduo caminho a percorrer e o reconhecimento daquilo que foi feito contra os pobres do Araguaia é parte desta imensa tarefa, que ajuda a emancipar o Brasil.


Mais do que nunca o satanás precisa ser apeado, seja nos parlamentos, na grande mídia, nos tribunais e na vida pública.

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