sábado, 28 de maio de 2011

Sepultamentos verticais

Por Paulo Fonteles Filho.

Uma modalidade desconhecida de sepultamentos pode ter ocorrido no Araguaia: a inumação vertical.

Quem traz a mórbida informação é o dirigente da Associação dos Torturados na Guerrilha do Araguaia (ATGA), Sezostrys Alves da Costa, que, como eu, participa dos esforços capitaneados pelo governo federal no sentido de localizar os desaparecidos políticos no Sul do Pará e Tocantins.

Quem enseja a novidade é um ex-soldado que atuou naqueles sertões durante todo o ano de 1973. Como outros soldados de sua geração, guarda, ainda, segredos não revelados daqueles tempos de infâmia.

O medo ainda é muito presente neste trabalho, na coleta de importantes depoimentos, que possam nos dar a nitidez que a história nacional exige.

Os véus, porém, aos poucos vão sendo retirados e revelam detalhes que nos deixam boquiabertos, verdadeiramente pasmos.

Agora, a novidade, são as covas verticais. E em tais covas, muito fundas, pode haver um amontoado daqueles brasileiros que procuramos.

Como prestava guarda para o alto-comando na Base de Xambioá, o ex-soldado ouviu, por diversas vezes, discussões sobre como dar o “tratamento adequado” para os que ali, depois das insanas torturas, eram mortos covardemente.

Ao longo dos anos acreditávamos que os desaparecidos políticos do Araguaia teriam sido enterrados em cova-rasa e que apenas o material orgânico que produz a natureza, teria dado-lhes a última coberta. Mas parece que não foi bem assim.

É claro que novos indícios exigem maior exame, sabemos disso. Mas sabemos, também, que precisamos estar bastante atentos em tudo aquilo que nos chega às mãos. A desatenção e a preguiça, neste trabalho, podem criar um inestimável prejuízo.

O fato é que esse dado novo deverá fazer com que revisitemos um conjunto de polígonos já pesquisados. Quem tem pressa, um tipo de pressa que atrapalha qualquer atividade científica pode ficar em casa, longe do sol escaldante que faz com que nossas cabeças fiquem amiudadas e pensem a conta-gotas.

Tais inumações verticais ocorreram em locais já sabidos como as Bases de Xambioá, Bacaba e é possível, também, na antiga sede do Dner, atual Dnit de Marabá. Onde houver cisterna, poço fundo, o caminho pode ser por lá, julgo eu diante das informações de ex-militares.

Em Belém, por exemplo, um crânio do Araguaia foi encontrado numa cisterna quando das construções do Complexo Feliz Lusitânia no inicio da década de 2000.

Pergunte ao Paulo Chaves, atual secretário de cultura paraense o que aconteceu a esta cabeça de guerrilheiro. Ele e os torturadores encastelados na Abin-Pa sabem. Aliás, seria bom mesmo perguntar - porque perguntar não ofende - quem é Léo, suposto geológo da Secult que levou o referido crânio humano para lugar até hoje ignorado.

Aliás, a Paulitec, de São Paulo, também deve saber. Os operários que encontraram aqueles poucos vestígios humanos disseram-me que a empresa orientou o silêncio aos peões. O problema é que peão fala e não fala pouco.

Na época do achado tentaram dizer aos trabalhadores da construção civil que o que havia sido encontrado era um crânio de um bicho qualquer mas ninguém na obra acreditou. Operário não têm nariz furado. Viva aos nossos operários!

Outro local onde esta prática também pode ter havido são os cemitérios de toda a região do Araguaia. Os cemitérios de Marabá, Xambioá e São Geraldo devem ser esquadrinhados. E o cemitério de São Joaquim, no Médici, em Belém, também deve ser pesquisado.

Retorno à Belém porque as cabeças cortadas na guerrilha eram enviadas, em caixas de isopor com gelo, até a capital paraense. E deveriam ir a dois lugares: a V Companhia de Guardas (hoje Feliz Lusitânia) ou até aquele imenso quartel da Almirante Barroso, o 2° Bis.

De qualquer forma iniciamos os trabalhos de 2011 com informações nunca antes prestadas, com melhores indicações, com a sociedade se mobilizando em torno da criação da Comissão da Verdade e com o governo federal disposto a enfrentar tão civilizatória questão – a dos desaparecidos políticos brasileiros.

Cada vez mais o problema de desvendar nosso passado ditatorial é de natureza política. O caminho é seguir adiante, enfrentar desafios, infundir convicções e não se quedar diante dos violentos.

Nossa vingança é vacinar a consciência nacional.

Nenhum comentário: