Por Paulo Fonteles Filho
Desde as primeiras expedições do Grupo de Trabalho Tocantins do Ministério da Defesa (MD), ainda em 2009, é que um ex-militar, um dos primeiros a chegar e dos últimos a sair confidenciou-nos que um capitão-médico, chamado Walter, sediado da Base da Bacaba, que na lembrança dos camponeses nos sugerem um Auschwitz amazônico, teria matado, por injeção letal, duas guerrilheiras custodiadas naquela parafernália repressivo-militar.
Até então não tínhamos nenhuma informação sobre a atuação de médicos-militares durante a Guerrilha do Araguaia, mas nos ensina a fundamental reportagem ‘Assistência médica à tortura’, do premiadíssimo site DHnet: “Como já foi dito, o estudo dos processos políticos da Justiça Militar permite concluir que o uso da tortura, como método de interrogatório e de mero castigo, não foi ocasional. Ao contrário. Obedeceu a critérios, decorreu de planos e verbas e exigiu a organização de uma infraestrutura que ia desde os locais adequados à prática das sevícias, passando pela diversificada tecnologia dos instrumentos de suplício, até à participação direta de enfermeiros e de médicos que assessoravam o trabalho dos algozes”.
Acontece que depois desta informação buscamos junto às fontes de então, familiares de desaparecidos políticos e ex-mateiros, esclarecer tal episódio, mas ninguém, absolutamente ninguém, confirmou que entre os militares havia um vocacionado a ser o Josef Mengele do Araguaia.
Apenas em 2011 vamos encontrar pistas seguras.
A primeira pista que tivemos foi o fato de que o Capitão Walter, o médico, fora candidato à Deputado Estadual em 1982 em dobrada com o Major Curió que, enfim, acabou elegendo-se Deputado Federal naquelas eleições.
A segunda, reveladora, ocorreu quando nos aproximamos de ex-soldados num encontro em Fevereiro de 2011, em Marabá. Tal reunião fora marcada pela tensão do desconforto com a presença de um major e de três sargentos da ativa. Cabe dizer que nenhum destes militares foram convidados, numa clara tentativa, em nossa opinião, de intimidar os ex-soldados que lutam na Justiça Militar para terem suas vidas reparadas pelas seqüelas daqueles anos de repressão política.
O fato é que depois deste encontro os ex-soldados da primeira geração recrutada na região pelo 52 BIS, passaram à contribuir com os trabalhos de buscas dos comunardos desaparecidos nas matas do Pará. Alguns deles, os mais corajosos, passaram a receber ameaças das recalcitrantes viúvas da ditadura militar.
Dentre as muitas e valiosas informações prestadas estão a de Manoel Messias Guido Ribeiro e José Adalto Xavier que, pela primeira vez, falam abertamente do episódio do assassinato de duas combatentes por injeção letal, aplicada pelo capitão-médico Walter.
Dizem os ex-soldados, em entrevista na Base de Xambioá (To) no mês de Abril deste ano, que, “(...) a gente não viu, a gente só ouviu circular no Quartel (...) que havia entrado duas guerrilheiras e tinham sido mortas com injeção (...)”.
Guido e Xavier falam com se tivessem conversando e continuam: “(...) essa história zoou pouco tempo (...) abafaram (...) primeiro que soldado não tinha direito de falar nisso (...) só quando um soldado falava para o outro (...)”.
Depois disso, perguntados sobre quem teria dado a injeção é que revelam: “(...) o pessoal dizia que tinha sido o Capitão Walter, que era o médico (...)”.
O fato é que outros ex-soldados têm conhecimento deste episódio e já confirmaram a versão apresentada por Guido e Xavier.
O fato é que até aí só tínhamos o nome do Mengele tupiniquim, apenas isso.
Acontece que no decorrer dos meses que se seguiram fomos montando as evidências e descobrimos que o médico da Bacaba é o Tenente-Coronel Walter da Silva Monteiro, hoje reformado. O médico-militar é ex-Diretor do Hospital Geral de Belém, como também é ex-Diretor do Pronto Socorro Municipal Mário Pinotti, o mais importante da capital paraense.
O que chama a atenção é que há diversos relatos de presos políticos que registram denúncias, em diversas Auditorias, sobre a atuação de médicos, sempre em apoio às sevícias praticadas pelos verdugos. Alguns médicos e enfermeiros teriam, inclusive, participados diretamente de sessões de tortura.
Não nos esqueçamos dos médicos-legistas, como Isaac Abramovitc e Harry Shibata, comprometidos em fornecer laudos para o acobertamento de crimes sob tortura. Alguns destes médicos-legistas atuaram para ocultar cadáveres de militantes políticos. Muitos destes militantes da liberdade jamais foram encontrados. Ainda.
Agora, é inédita a informação de que um médico-militar teria, ele mesmo, assassinado militantes políticos.
Pelo que conseguimos levantar, as duas guerrilheiras podem ser a Suely Yomiko e a Maria Célia Correa. Mas podem ser outras tantas desaparecidas entre 1973-1975, na região do Araguaia.
Toda essa história que, seguramente irá nos apresentar novos episódios, faz com que a gente conclua de que pouco sabemos de toda a barbárie cometida pelo regime dos generais, seja no Araguaia, seja na Barão de Tutóia.
Por muitos anos teremos que realizar um trabalho duro, firme, sempre em defesa da memória nacional para que nunca mais ocorram tais eventos, de violência de brasileiros contra brasileiros. A Comissão Nacional da Verdade irá abrir os caminhos desta necessidade histórica e elevar nossa dimensão democrática.
Quanto ao capitão-médico da Bacaba, que, como muitos outros rasgaram o Juramento de Hipócrates, deve prestar contas aos seus conselhos profissionais e aos tribunais brasileiros. Só assim terá se realizado a tão necessária justiça.
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