terça-feira, 29 de novembro de 2011

CARTA AO POVO DO PARÁ - sobre o plebiscito




Como paraense, sinto-me na responsabilidade de manifestar publicamente aos meus conterrâneos, sem distinção de origem ou região, a minha posição e sentimento sobre a divisão do Pará. Reporto-me, principalmente, à grande maioria que labuta de chuva a sol, trabalhadores e trabalhadoras do campo e da cidade, micros, pequenos e médios produtores, funcionalismo público, intelectuais progressistas, indígenas e quilombolas, desempregados, mulheres chefes de família, sem terra, empreendedores comprometidos de fato com a geração de emprego e renda, à juventude, entre tantos que pouco ou nada usufruem das riquezas dessa terra.

Essa terra de heróicas histórias de um povo altaneiro possui uma elite entreguista e predatória, patrimonialista e conivente, absentista e pusilânime. Tem um governador filisteu que tentou ser Pilatos, mas que as circunstâncias o forçaram a assumir envergonhadamente o seu papel constitucional de defender a integridade do Estado. Essa terra, de um povo hospitaleiro e vilipendiado, ver-se novamente ameaçada, e na contingência de defender seu direito de existir enquanto entidade federativa do Brasil.

Sou determinantemente contra o esquartejamento do Pará. Vejo nesse movimento golpista interesses subalternos transvestidos de solução aos reais problemas existentes, diga-se, em todos os quadrantes. Mesmo que seja um sentimento forjado, em parte significativa da população das áreas separatistas, a divisão não ataca as causas que formam essa difícil realidade do Estado, pelo contrário, agrava-as ainda mais. Multiplicando as mazelas e o sofrimento da maioria, favorecendo com mais força a rapinagem e a degradação ambiental, a concentração e a dilapidação de riquezas. A divisão significará de fato: o empoderamento das elites locais e a ampliação da exclusão social.

A campanha separatista fala por si revelando o caráter e a prática de suas elites. Violenta e apelativa, dissimulada e mentirosa, as suas argumentações e dados não resistem à mínima confrontação com a realidade. Muda de discurso conforme a conveniência: Belém que era a causa de todos os males virou a coitada que todos os problemas serão resolvidos com a divisão. Em um passo de mágica o resto da usurpação se transformará em São Paulo ou em tantos Rios de Janeiro. O dinheiro se multiplica no ar como os falsos títulos de grilagem de terra. Ganha quem perde as possibilidades de se desenvolver e fica com grande parte do ônus. Os lobos viraram cordeiros que se imolam para a redenção dos pecadores. É tanta a esmola que o santo é obrigado a desconfiar.

Ao contrário do que dizem os separatistas, reside na sua grandeza e na sua complexidade a força do Pará. Sem ufanismos, possuímos de conjunto todos os elementos necessários para um desenvolvimento que atenda a todas as necessidades dos 7 milhões e 600 mil paraenses ou mais. O Estado contribui significativamente com a balança comercial do país, tendo uma das maiores províncias mineral do mundo. Está aqui importante parte do potencial energético de matriz limpa, e de hidrovias. Mananciais de água doce e potável, biodiversidades, todos os relevos, terras férteis, e gente laboriosa se distribuem por todo o território. Possivelmente não exista outro estado com essas características, potencialidades e dimensões.

Contraditoriamente, toda essa riqueza pouco ou nada serve ao nosso povo. Temos um dos piores IDH, 10% dos miseráveis do país habitam a nossa terra, somamos apenas 1,4% no PIB nacional, possuímos pouquíssimas indústrias e as insuficientes infra-estruturas servem aos grandes projetos minerais e agronegócios com base no latifúndio. Com as riquezas e a renda altamente concentradas existe um alto índice de desemprego e baixos salários. São imensas as demandas sociais, limitadas ou ausentes as políticas e os equipamentos públicos. Registre-se que essas mazelas existem em todas as regiões do Estado e não só nas áreas separatistas.

Essa realidade é resultado de séculos de espoliação e rapinagem, da manutenção de um modelo sócio-econômico que coloca o Pará no papel de almoxarifado ou reserva de riquezas de acordo com as demandas do mundo, e do sul e sudeste do Brasil. Daqui tudo se leva sem repor. Na trilha do saque há um requinte de crueldade: os principais produtos dessa economia extrativista mínero-agropastoril-energética de exportação não gera receita de imposto para o Estado. Nessa trilha só ficam buracos, desmatamentos e queimadas, poluição, violência e mortes, êxodo rural, trabalho degradante, escravo e infantil, bolsões de indigentes.

Indubitavelmente, essa lógica praticada ao extremo, em detrimento do bem estar do povo, com a conivência e interesse das velhas e novas elites, é a causa central dos nossos males, e não o tamanho do Estado. Culpar a dimensão territorial sem considerar os verdadeiros entraves do desenvolvimento e da inclusão social beira o cinismo. Antes que falem, os esforços de verticalização e agregação de riquezas, ora postos na região sudeste, são frutos recentes de uma visão mais avançada, de governos progressistas, hoje ameaçados pelo retrocesso político no Pará.

Os separatistas, leia-se, suas lideranças, no afã de comprovar sua tese vazia, apegam-se em parâmetros desconectados no espaço e no tempo. A região do Mato Grosso do Sul, desenvolveu-se antes da separação sob os benfazejos ventos da região sudeste, sem maiores prejuízos para o norte, e não o contrário. A região do Tocantins, ao contrário das áreas do Pará, era um sertão de cerrados praticamente desabitado, um peso morto para Goiás que muito ganhou com a divisão. Tocantins se beneficiou do suporte federal durante 20 anos, do crescimento nacional com os governos Lula e Dilma, e, no entanto, permanece um estado precarizado, com base econômica no agro-negócio e muitas dívidas sociais.

Evidentemente, dividir o Estado não é solução para os 7, 6 milhões de paraenses. Estaríamos diante da reprodução piorada do modelo de saque e suas nefastas seqüelas, com os agentes controladores ainda mais empoderados. Os estados, independente do que digam os separatistas, seriam mais frágeis e bastante deficitários sem capacidade de investimento e de solucionar as demandas sociais reprimidas. As pretensas elites governantes, manifestando os interesses de suas principais bases sociais, extrativismo exportador e agronegócios com base no latifúndio, teriam imensas dificuldades em construir outro modelo sócio-econômico capaz de agregar riqueza, gerar muitos empregos e distribuir renda, após o breve movimento de instalação dos pretensos estados.

A proposta de divisão é interesseira, incoerente e injusta. O mapa proposto é a principal peça de acusação: denuncia em seus contornos, com desfaçatez, os interesses separatistas sobre a província mineral, sobre as biodiversidades e terras férteis, e sobre a energia. Manteria um estado de grande dimensão (Tapajós), assim como os dois (Tapajós e Carajás) com imensas extensões de terra pertencentes à União, com o risco de maior degradação ambiental. A provável capital de Carajás (Marabá) nasceria contestada como pomo de discórdia para nova divisão. A grande maioria da população (mais de 60%) ficaria confinada em 17% do atual território, sem condição de se desenvolver, arcando com os ônus da separação, envolta em uma guerra fiscal, sobrevivendo em péssimas condições.

Diferentemente das separações que servem de exemplo para os divisionistas, aqui perde o povo paraense como um todo, principalmente os trabalhadores e trabalhadoras, os agricultores familiares e os ribeirinhos, os que defendem a produção de riqueza com distribuição de renda. Perde a grande maioria da população. Reafirmamos que os grandes beneficiados serão as elites separatistas com seus governos e parlamentos, suas Justiças e polícias, seus palácios. A legalização, a garantia e a ampliação de seus domínios. O império da violência e da impunidade. O aumento do reacionarismo no Congresso Nacional com a eleição de senadores e deputados comprometidos com o atraso. O reino das mineradoras, do agronegócio e do latifúndio. 
  
Sou contra a divisão porque o Pará é mais forte inteiro no processo de desenvolvimento do país com integração regional. O Pará inteiro é mais viável com o aproveitamento planejado de todas as suas potencialidades, com tecnologias e infra-estruturas apropriadas, com desenvolvimento gerador de riquezas agregadas aproveitando todas as diversidades existentes, incorporando na produção a força trabalhadora local, especializando-a. Distribuindo de forma mais justa a renda.
Sou contra a divisão, mas não aceito o Pará excludente de hoje. Precisamos sonhar um Pará mais justo, mais democrático, mais desenvolvido, valorizando o trabalho e promovendo a inclusão social. Necessitamos urgentemente ter um projeto para o Estado que represente os interesses da classe trabalhadora, do povo. Precisamos lutar para vencer e deslocar as elites carcomidas quaisquer que sejam, e romper com a lógica de rapina, construindo um Pará e um Brasil socialista.  

Belém, 29 de novembro de 2011
Érico de Albuquerque Leal



Um comentário:

Lucinei Torres disse...

Erico, por favor camarada, certamente seus argumentos merecem ser ouvidos e respeitados mas pelo amor de Deus para de falar que o Tocantins não melhorou com a divisão do estado de Goias. Isso não dá nem pra discutir, a diferença do antes e agora é brutal. Isso não significa tambem o Tocantis deveria virar o paraiso na Terra, convenhamos isso não existem em lugar nenhum, nem nos paises ditos desenvolvidos e todo mundo já sabe disso.